domingo, 20 de dezembro de 2009

Das Vantagens de Ser Bobo - Clarice Lispector


O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.
Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.
Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.


2 comentários:

Helena disse...

Este ano eu tive muitas oportunidades de me ver uma boba... E não posso mais fazer certas coisas que me levam a este caminho, porque ainda não cheguei na maturidade de aceitar certas coisas do ambiente de trabalho como invisíveis... Em alguns aspectos, não quero nunca mais ser boba!

Helena disse...

Lembro-me de um livro de literatura infanto-juvenil que li algum tempo atrás e que se chamava As Batalhas do Castelo de autoria de Domingos Pellegrini. O livro conta uma história que se passa na Idade Média na qual um rei em seu leito de morte dá para o bobo de sua corte o título de duque e um castelo. Entretanto, esse castelo é disputado pelos dois filhos do rei e o bobo da corte acaba ficando com outro castelo abandonado e de pouca significância para os filhos do rei. A partir daí, o bobo da corte que sei intitula de Bobuque passa a conduzir ao seu castelo aqueles considerados a escória da sociedade daquela época, como os velhos, aleijados, doentes e crianças abandonadas. Assim, o Bobuque com ajuda de cada pessoa do seu castelo vai construindo uma comunidade unida capaz de passar por diversos obstáculos.
A Idade Média foi um período muito interessante por ter abrigado coisas típicas como castelos, reis, príncipes, bobos da corte e o trovadorismo, por exemplo. Eu particularmente me interesso muito por essa parte da história e foi por isso que gostei de ter lido esse livro.
A figura do bobo da corte na Idade Média também é digna de comentários. Na verdade, os bobos da corte foram mais comuns no final da Idade Média e recebiam também os nomes de curinga, jogral, pierrot ou bufão, entre outros. Eles geralmente apresentavam uma deficiência física e sua principal função era entreter o rei e a corte.
Ao contrário do que se pensa, o bobo da corte não era tão bobo assim. Ele entendia da política e das coisas do reino. Era ousado e por vezes irônico, zombador e tecia críticas escondendo-se atrás dos seus disfarces enquanto declamava, dançava e tocava instrumentos. O bobo da corte, pode se dizer, era o único súdito que podia ter tais comportamentos de crítica ao reino e ao rei sem correr o risco de ser preso. Ele era livre no pensar e no agir como ninguém era.
Hoje, talvez o que mais se aproxima de um bobo da corte sejam os palhaços de circos. Pelo menos essa imagem do bobo da corte não morreu totalmente e um pouco dela está presente nos nossos dias. Que nos espelhemos na sua irreverência e ousadia!
in: Blog de Bruna Aparecida de Goiânia, Goiás